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  • Soldaderas e partisans: Desigualdade de gênero nas revoluções através das histórias de Elena Poniatowska e Svetlana Aleksiévitch

    Ensaio

    por César David Salazar Jiménez

    Entre 1917 e 1923, aproximadamente, ocorreram duas das mais importantes revoluções armadas da história moderna: por um lado, a Revolução Mexicana, que começou em 1910 e levou ao fim do Porfiriato (a ditadura de mais de três décadas de Porfirio Díaz), inaugurando, por sua vez, um regime de partido único inapelável e repressivo que durou até o fim do século; por outro lado, a Revolução Russa, que derrubou o império czarista de quase dois séculos e instaurou o sistema socialista e a burocracia de Estado que definiu o rumo do bloco soviético até o seu colapso em 1991. Estes são, portanto, dois acontecimentos que rodeiam o início e o fim do que Jürgen Habermas chamou de “breve” século 20, que começa com a Primeira Guerra Mundial e culmina com a queda do Muro de Berlim.

    No início, essas duas revoluções levantaram as bandeiras da justiça social e da rebelião popular contra as oligarquias e o status quo; assumiram a forma de utopia e mobilizaram as bases operárias e camponesas em torno do ideal de uma nova sociedade, onde os avanços da era industrial fossem aproveitados por todas as camadas sociais mediante uma distribuição justa. Mas o desenvolvimento histórico dos períodos pós-revolucionários, tanto no México quanto na antiga União Soviética, significou pouco mais do que uma substituição do poder oligárquico e um amargo sentimento de fracasso por parte das esquerdas militantes que, como Enzo Traverso afirma com razão, caíram em um estado de profunda melancolia que dura até hoje. Como resume o historiador italiano, parafraseando Reinhart Koselleck, a revolução deixou de ser um claro ponto de intersecção entre um “espaço de experiência” e um “horizonte de expectativa”: “A expectativa desapareceu; a experiência, por sua vez, assumiu a forma de um campo de ruínas”.

    Nesse sentido, uma corrente de pensamento político cada vez mais sólida tem apontado com razão a necessidade de considerar o fim da utopia revolucionária do ponto de vista de uma crítica feminista ao marxismo, uma vez que, embora o fracasso do socialismo tenha causas múltiplas e complexas, atualmente é impossível ignorar uma em particular, que é intrínseca e que diz respeito à desigualdade de gênero, ou seja: o fato de que a dominação masculina subjaz à estrutura das classes oprimidas e de que as revoluções não problematizaram essa forma de desigualdade; pelo contrário, perpetuaram-na mediante uma ideologia profundamente patriarcal onde, entre outras coisas, termos como “humanidade” e “homem” eram equiparados irreflexivamente. Em resposta a isso, autoras como Silvia Federici propõem:

    “Não se pode estudar a história do ponto de vista de um sujeito único e universal… Uma visão universalizante da sociedade, da mudança social, a partir de um sujeito único, acaba reproduzindo a visão das classes dominantes.”

    Essa falha estrutural nos processos revolucionários já tinha sido apontada há décadas por várias autoras que, a partir da literatura, reconstruíram a vida das mulheres na guerra e nas revoltas armadas. Em particular, no que diz respeito aos casos históricos aqui discutidos, duas obras se destacam como pioneiras: Hasta no verte Jesús mío, publicada em 1971 pela francesa nacionalizada mexicana Elena Poniatowska (1932), e A guerra não tem rosto de mulher, da bielorrussa Svetlana Aleksiévitch (1948), cuja edição original de 1985 foi parcialmente censurada pelo regime soviético e que, como consequência, foi republicada em 2013 com as partes que tinham sido suprimidas.

    Essas duas autoras elaboram suas histórias a partir de um território fronteiriço, polifônico, que se relaciona com a crônica; um lugar de enunciação a meio caminho entre a narrativa e a não-ficção, onde a primeira linha é ocupada pelas vozes das próprias protagonistas: mulheres que oferecem testemunho com uma linguagem simples, direta e de intuições assombrosas; participantes e testemunhas diretas dos acontecimentos históricos que, durante décadas, constituíram a épica revolucionária da história oficial do México e da ex-URSS.

    Situadas em épocas e latitudes diferentes, Poniatowska e Aleksiévitch apelam de forma similar a uma memória feminina que serve de contrapeso à história institucional que tende a apagar a participação das mulheres nos combates e nas guerras que sustentam o ideal patriótico. O discurso oficial das esquerdas, nesse sentido, é quase idêntico ao das direitas, enquanto a história das vitórias de ambos os lados acaba reproduzindo a visão patriarcal da historiografia bélica tradicional, composta principalmente por heróis grandiloquentes que se arrogam as façanhas coletivas. Aleksiévitch explica melhor:

    “… sempre foram homens escrevendo sobre homens, vejo isso de imediato. Tudo o que sabemos sobre a guerra, sabemos pela “voz masculina”. Somos todos prisioneiros das percepções e sensações “masculinas”. Das palavras "masculinas". As mulheres, nesse meio tempo, permanecem em silêncio.”

    Contudo, como aponta a própria autora, é necessário reivindicar a voz das mulheres não só para restituir a recordação eliminada de suas gestas, como para, especialmente, recuperar uma perspectiva mais humana face aos conflitos armados, onde elas colocam em jogo todo tipo de sentimentos e experiências. O testemunho feminino sobre a guerra restitui, sem dúvida, um sentido de humanidade que falta nas histórias oficiais, nas quais existem exércitos, bandos e estratégias, mas não indivíduos, nem familiares, nem animais, nem árvores; os únicos nomes próprios são os dos comandantes.

    A abordagem narrativa para atingir esse propósito varia nas duas obras aqui discutidas. Por um lado, Poniatowska centra-se na voz de uma mulher solteira, Jesusa Palancares, uma velha lavadeira que conheceu na Cidade do México: o relato da vida de Jesusa serve para lançar uma luz amarga sobre o processo pós-revolucionário que ocorreu no México por volta do segundo quarto do século 20. Jesusa representa o país indígena, camponês e pobre em cujo nome o poder foi tomado de assalto, para que posteriormente fosse imposto um regime igualmente classista, racista e corrupto, após um extenso fratricídio entre as facções que derrubaram o Porfiriato (assim como na Rússia houve um fratricídio que foi resolvido em favor dos bolcheviques). Mas Jesusa, sendo mulher, foi também objeto da violência sexista que está enraizada na sociedade mexicana e que permeia todos os espaços da vida: uma ex-soldado, abusada pelo marido quando faziam parte das tropas, ela odeia a figura póstuma de Pancho Villa, por exemplo, e se atreve a contestar a história oficial que o eleva à condição de herói: “Mentira! São puras vanglórias para fazê-lo passar por alguém que ele nunca foi. Ele era um bandido sem alma que ordenou a seus homens que cada um pegasse uma mulher e a arrastasse!”

    Aleksiévitch, por sua vez, faz uma ambiciosa coleção de testemunhos de mulheres que participaram em todos os níveis do exército soviético durante a Segunda Guerra Mundial, desde lavadeiras e enfermeiras até pilotos e comandantes de divisões partisans, todas convencidas de terem lutado para defender os ideais da revolução socialista contra a Alemanha nazista. A imponente história coral que a autora compõe dá forma a um quadro desolador: já não é a epopeia da “Grande Vitória” estalinista, mas o fantasma de uma experiência falida, a imagem de uma sociedade moribunda onde os ideais patrióticos se desvaneceram e na qual sobrevive apenas uma dor inextinguível. Da mesma forma, Aleksiévitch confirma a desigualdade de gênero que está na base da sociedade e explica parcialmente o fracasso do modelo soviético, uma vez que não só confronta a história oficial – em que os únicos heróis eram homens –, como também delata as violências que as mulheres sofreram na guerra por parte dos seus próprios camaradas, bem como por parte da sociedade em geral que, após a vitória, impôs a elas o injusto fardo do escárnio e da vergonha, condenando-as ao esquecimento por terem habitado de uma forma tão “impudica” o mundo dos homens.

    Além de serem escritas por penas prodigiosas e corajosas, com grande sensibilidade para os detalhes e acuidade acertada para encontrar informações no sofrimento, as histórias de Poniatowska e Aleksiévitch constituem, sem dúvida, contribuições inestimáveis ​​para a compreensão do rumo estrepitoso das revoluções do século 20 numa perspectiva crítica e em sintonia com a época actual. Elas revelam uma desigualdade fundamental que, paradoxalmente, foi perpetuada pelas próprias pessoas que se propunham a libertar os pobres da sua opressão, e que reproduziram um sistema de valores patriarcais mais ou menos inquestionável. Além disso, considerar desta forma o fracasso das revoluções não significa, de forma alguma, justificar a melancolia das esquerdas contemporâneas nem o fim lapidar das utopias; pelo contrário, a crítica feminista ao marxismo contribui a afirmar a possibilidade de uma mudança baseada na deliberação, na confrontação e no compromisso radical com a equidade e a diversidade. Nesse sentido, a literatura dá um contributo crucial porque privilegia a abertura, a diferença, a contingência; e histórias como as aqui citadas têm o valor agregado de testemunho, de memória viva e pronta para quem quiser encontrar nela alguma experiência útil para o presente.

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