Dogville, 2003
Lars Von Trier
Dinamarca

Por que a escolha?
O enredo é simples: Dogville é um território árido, uma cidade semi-abandonada cercada de montanhas rochosas. O contexto é a Grande Depressão nos Estados Unidos. Em Dogville moram algumas dezenas de pessoas que se enquadram perfeitamente nos papéis típicos de uma comunidade tradicional. Parecem viver a contradição de estarem profundamente isoladas, mas completamente envolvidas nas vidas e preocupações dos vizinhos. A suposta paz dessa pequena cidade será interrompida pelo aparecimento de Grace, uma bela mulher que está fugindo da máfia. Após uma assembleia, na qual intervém a seu favor o filósofo e orador da cidade, os moradores decidem dar a Grace um período de duas semanas nas quais ela deverá ajudá-los nas tarefas cotidianas, para decidir se ela merece ser aceita e integrada à comunidade.
São quase três horas de uma amostra do que há de mais duro e cruel na natureza humana. Sob a premissa de saldar a dívida que Grace contraiu com o povo ao ser protegida, ela é submetida a todo tipo de humilhação e abuso. Seu corpo se torna um campo de batalha que tolera atrocidades porque ocupa o lugar da referência simbólica da humildade, da inocência e da misericórdia. Os homens e mulheres de Dogville se aproveitarão de sua natureza benevolente, aliando-se para justificar a forma em que se comportam.
A mise-en-scène cinematográfica de Dogville é composta por narração e cenário teatral. O mundo ficcional, que deve ser acionado pela imaginação, propaga o efeito de estranhamento que exige do espectador um papel ativo na reconstrução da história. Este opera em certo nível como um observador onisciente que é capaz de ver através das paredes sem diferenciar o que acontece na esfera privada do que acontece na esfera pública. Todos sabem tudo sobre todos, mas ignoram o que acontece nos bastidores.
A violência a que Grace é submetida, sob a forma de ultrajes e prisões, passa despercebida. O horror cai na cilada da meritocracia e da superioridade moral. A moralidade como eixo regulatório que decide os comportamentos certos e errados acaba eliminando completamente as nuances e complexidades da psique. Não há como fazer o que é justo ou o que é certo porque tudo estará sujeito a um jogo perverso. A degradação progressiva que os personagens demonstram cobre com um manto de igualdade os que estão diante e os que estão atrás da arma.
Ficha técnica