Por que a escolha?

A M-30 de Madri é um anel viário. Uma via de acesso rápido ladeada de prédios lotados e precários que abrem caminho à cidade e apresentam seus desequilíbrios. A M-30 de Que fiz eu para merecer isso? é decoração e atributo, é forma e fundo. Ali vive a família periférica espanhola que Almodóvar decide contrapor à do extinto franquismo. Um retrato duro de cinco seres desesperados em busca de uma realidade alternativa, menos incerta, menos insatisfatória, menos alienante.

Uma avó que anseia voltar para sua pequena cidade. Um pai indolente que se apega a um passado que acredita que teria dado mais brilho à sua vida. Dois filhos que buscam um jeito de seguir seus próprios caminhos e aliviar o fardo da mãe. E ela, a mãe, que carrega nos ombros tudo o que o patriarcado colocou sobre ela. Assim, em meio ao seu opressivo dia de trabalho de jornada dupla, à displicência e ao maltrato, à insatisfação e à violência, em meio a tudo isso e sem o pouco alívio que as anfetaminas poderiam lhe dar, Gloria acaba derrubando tudo.

Neste quarto filme de Almodóvar, o uso genial da paródia, presente desde as suas primeiras obras, convive com uma severa crítica ao capitalismo, ao patriarcado, à moral convencional, à perseguição às drogas e à vigilância do desejo. E, ao fazer tudo isso, Almodóvar nos presenteia com o retrato de seu quarto grupo de mulheres.