Por que a escolha?

O título do livro Cidadã: uma lírica americana, um híbrido de poesia e ensaio de Claudia Rankine (1963), afro-americana nascida na Jamaica, já anuncia dois contrapontos críticos absolutamente válidos. Primeiro, a pergunta sobre o que significa “cidadania” para uma mulher negra nos Estados Unidos à luz da violência do presente e de uma história de segregação e de exigências formais que ainda não se materializaram em uma igualdade real. Segundo, um questionamento direto da tradição literária da épica americana, da “grande lírica nacional” de diversos poetas (homens brancos) desde o século 19, para os quais a nação era composta apenas por dois elementos: de um lado, uma paisagem vasta, selvagem e exuberante, terra prometida de colonizadores; do outro, uma legião de homens brancos livres como eles, determinados a conquistar cada centímetro de um território em que as mulheres, os negros (escravos ou libertos) e os indígenas tinham tanto ou menos (geralmente muito menos) valor do que as árvores e as pedras dos rios.

Em diálogo com imagens de arquivo e artistas visuais, os poemas e textos em prosa de Rankine vão e vêm entre comentários críticos sobre a violência física contra cidadãos negros nos Estados Unidos, com ênfase especial na brutalidade policial, e a reflexão sobre as formas mais sutis de violência que diariamente violam a dignidade individual e que, em última análise, servem de base para o racismo institucional.

Subjacente a isso existe a questão sobre a relação entre a memória histórica e a noção de individualidade implícita no conceito de "cidadania", a ideia de que a ferida coletiva da racialização (que também se torna memória do corpo, especialmente do corpo feminino) conspira contra a liberdade e a identidade pessoal, e que o privilégio de dizer "eu" é reservado a outros, que não carregam o fardo de um "nós" historicamente segregado.