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  • Juan Rulfo: um olhar poético sobre o feminino

    Ensaio

    por María Luisa Ortega

    Em alguns contos de Chão em chamas, a partir de uma consciência masculina, Rulfo atribui à mulher um determinado atributo que a torna inesquecível. Em meio a contextos rurais habitados pela adversidade, pelo medo, pelos sentimentos de culpa, pela violência e pela morte, o narrador transforma a chuva, a lua e o ar em atmosferas que silenciam suas vozes e tornam mais profundos os sentimentos de tristeza e solidão.

    Em “É que Somos Muito Pobres ”, as chuvas intermináveis fazem o rio perder as margens e Tacha chora inconsolável porque a 'Serpentina', a vaquinha que o pai lhe dera para que ela tivesse um capitalzinho e uma vida diferente da vida das irmãs, a enchente levou, junto com o bezerro. Dominada pela dor, a menina se cala e chora, como se pressentisse o seu destino; a impotência e a compaixão desencadeiam o monólogo do irmão, que a abraça com ternura enquanto escuta junta a ela a turbulência do rio e a vê soluçar.

    Em "Macário", do limiar da consciência, o menino se lembra dos olhos de Felipa, que eram verdes como os dos gatos, e diz que a ama porque ela sacia a fome que nunca o abandona. Macário acha que, se parasse de comer, morreria e depois iria “direto para o inferno”. Atormentado por uma realidade hostil de pedradas na rua, diabos e baratas, sua mente perturbada recria ingenuamente a bondade da mulher que, no entanto, ia se confessar por ele todas as tardes. Comparação e ambiguidade se fundem no monólogo e dão vida à personagem feminina.

    Ao voltar da peregrinação a "Talpa", em busca da cura milagrosa de Tanilo, Natália chora inconsolável nos braços da mãe, enquanto seu cunhado conta a razão de seu pesar. Não importava que a origem da viagem tivesse sido a ilusão de que Nossa Senhora curaria as bolhas que cobriam as pernas e os braços do menino, o que realmente importa é que o choro de Natália ressoa dentro dela como se ela estivesse "torcendo o pano dos nossos pecados". Quanta tristeza em seu choro, quanta saudade em seu próprio silêncio e quanta dor pelo infortúnio de Tanilo.

    Após enterrar Tanilo, Natália esquece para sempre seu cunhado, mas a imagem de seus olhos como "poças iluminadas pela lua", permanece inalterada.

    Em “A herança de Matilde Arcángel”, a protagonista é vista como a menina que “se filtrava como água entre todos nós” e o seu olhar se perpetuará na memória de Tranquilino Herrera, mais do que o momento em que, ao cair do cavalo, ela quis proteger com o corpo a vida do filhinho, a quem acabavam de batizar.

    Rulfo aborda a natureza feminina por meio de um diminutivo, de um símile, de uma sugestão e cria as imagens poéticas que a tornam inesquecível. Transforma também o “silêncio que existe em todas as solidões” (“Luvina”) no universo mítico de Comala.

    Susana San Juan é sem dúvida uma das personagens poéticas por excelência do romance latino-americano. A recordação dela é, antes de mais nada, a chave para elucidar o caráter paradoxal e dual de Pedro Páramo, o homem que a amará até a morte e o "rancor vivo" que acabará por desmoronar como um monte de pedras. Em segundo lugar, é ela quem abre as brechas para decifrar os murmúrios que correm pelas ruas de Comala e cruzam os umbrais da Media Luna.

    Ela é o ser excepcional, que perdura além da morte, não apenas como memória poética, mas que revive de seu túmulo e eterniza a voz e a palavra.

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